terça-feira, 21 de agosto de 2007
sexta-feira, 17 de agosto de 2007
O Corvo
Foi uma vez: eu refletia, à meia-noite erma e sombria,
a ler doutrinas de outro tempo em curiosíssimos manuais,
e, exausto, quase adormecido, ouvi de súbito um ruído,
tal qual se houvesse alguém batido à minha porta, devagar.
"É alguém - fiquei a murmurar - que bate à porta, devagar;
sim, é só isso e nada mais."
Ah! claramente eu o relembro! Era no gélido dezembro
e o fogo agônico animava o chão de sombras fantasmais.
Ansiando ver a noite finda, em vão, a ler, buscava ainda
algum remédio à amarga, infinda, atroz saudade de Lenora
- essa, mais bela do que a aurora, a quem nos céus chamam Lenora
e nome aqui já não tem mais.
A seda rubra da cortina arfava em lúgubre surdina,
arrepiando-me e evocando ignotos medos sepulcrais.
De susto, em pávida arritmia, o coração veloz batia
e a sossegá-lo eu repetia: "É um visitante e pede abrigo.
Chegando tarde, algum amigo está a bater e pede abrigo.
É apenas isso e nada mais."
Ergui-me após e, calmo enfim, sem hesitar, falei assim:
"Perdoai, senhora, ou meu senhor, se há muito aí fora me esperais;
mas é que estava adormecido e foi tão débil o batido,
que eu mal podia ter ouvido alguém chamar à minha porta,
assim de leve, em hora morta." Escancarei então a porta:
- escuridão e nada mais.
Sondei a noite erma e tranqüila, olhei-a fundo, a perquiri-la
sonhando sonhos que ninguém, ninguém ousou sonhar iguais.
Estarrecido de ânsia e medo, ante o negror imoto e quedo,
só um nome ouvi (quase em segredo eu o dizia) e foi: "Lenora!"
E o eco, em voz evocadora, o repetiu também: "Lenora!"
Depois, silêncio e nada mais.
Com a alma em febre, eu novamente entrei no quarto e, de repente,
mais forte, o ruído recomeça e repercute nos vitrais.
"É na janela" - penso então. - "Por que agitar-me de aflição?
Conserva a calma, coração! É na janela, onde, agourento,
o vento sopra. É só do vento esse rumor surdo e agourento.
É o vento só e nada mais."
Abro a janela e eis que, em tumulto, a esvoaçar, penetra um vulto:
- é um Corvo hierático e soberbo, egresso de eras ancestrais.
Como um fidalgo passa, augusto e, sem notar sequer meu susto,
adeja e pousa sobre o busto - uma escultura de Minerva,
bem sobre a porta; e se conserva ali, no busto de Minerva,
empoleirado e nada mais.
Ao ver da ave austera e escura a soleníssima figura,
desperta em mim um leve riso, a distrair-me de meus ais.
"Sem crista embora, ó Corvo antigo e singular" - então lhe digo -
"não tens pavor. Fala comigo, alma da noite, espectro torvo,
qual é teu nome, ó nobre Corvo, o nome teu no inferno torvo!"
E o Corvo disse: "Nunca mais."
Maravilhou-me que falasse uma ave rude dessa classe,
misteriosa esfinge negra, a retorquir-me em termos tais;
pois nunca soube de vivente algum, outrora ou no presente,
que igual surpresa experimente: a de encontrar, em sua porta,
uma ave (ou fera, pouco importa), empoleirada em sua porta
e que se chame Nunca mais.
Diversa coisa não dizia, ali pousada, a ave sombria,
com a alma inteira a se espelhar naquelas sílabas fatais.
Murmuro, então, vendo-a serena e sem mover uma só pena,
enquanto a mágoa me envenena: "Amigos... sempre vão-se embora.
Como a esperança, ao vir a aurora, ELE também há de ir-se embora."
E disse o Corvo: "Nunca mais."
Vara o silêncio, com tal nexo, essa resposta que, perplexo,
julgo: "É só isso o que ele diz; duas palavras sempre iguais.
Soube-as de um dono a quem tortura uma implacável desventura
e a quem, repleto de amargura, apenas resta um ritornelo
de seu cantar; do morto anelo, um epitáfio: - o ritornelo
de Nunca, nunca, nunca mais."
Como ainda o Corvo me mudasse em um sorriso a triste face,
girei então numa poltrona, em frente ao busto, à ave, aos umbrais
e, mergulhado no coxim, pus-me a inquirir (pois, para mim,
visava a algum secreto fim) que pretendia o antigo Corvo,
com que intenções, horrendo, torvo, esse ominoso e antigo Corvo
grasnava sempre: "Nunca mais."
Sentindo da ave, incandescente, o olhar queimar-me fixamente,
eu me abismava, absorto e mudo, em deduções conjeturais.
Cismava, a fronte reclinada, a descansar, sobre a almofada
dessa poltrona aveludada em que a luz cai suavemente,
dessa poltrona em que ELA, ausente, à luz que cai suavemente,
já não repousa, ah! nunca mais...
O ar pareceu-me então mais denso e perfumado, qual se incenso
ali descessem a esparzir turibulários celestiais.
"Mísero!, exclamo. Enfim teu Deus te tá, mandando os anjos seus,
esquecimento, lá dos céus, para as saudades de Lenora.
Sorve o nepentes. Sorve-o, agora! Esquece, olvida essa Lenora!"
E o Corvo disse: "Nunca mais."
"Profeta! brado. - Ó ser do mal! Profeta sempre, ave infernal
que o Tentador lançou do abismo, ou que arrojaram temporais,
de algum naufrágio, a esta maldita e estéril terra, a esta precita
mansão de horror, que o horror habita, imploro, dize-mo, em verdade:
Existe um bálsamo em Galaad? Imploro! dize-mo, em verdade!"
E o Corvo disse: "Nunca mais."
"Profeta! exclamo. Ó ser do mal! Profeta sempre, ave infernal!
Pelo alto céu, por esse Deus que adoram todos os mortais,
fala se esta alma sob o guante atroz da dor, no Éden distante,
verá a deusa fulgurante a quem nos céus chamam Lenora,
essa, mais bela do que a aurora, a quem nos céus chamam Lenora!"
E o Corvo disse: "Nunca mais!"
"Seja isso a nossa despedida! - ergo-me e grito, alma incendida. -
Volta de novo à tempestade, aos negros antros infernais!
Nem leve pluma de ti reste aqui, que tal mentira ateste!
Deixa-me só neste ermo agreste! Alça teu vôo dessa porta!
Retira a garra que me corta o peito e vai-te dessa porta!"
E o Corvo disse: "Nunca mais!"
E lá ficou! Hirto, sombrio, ainda hoje o vejo, horas a fio,
sobre o alvo busto de Minerva, inerte, sempre em meus umbrais.
No seu olhar medonho e enorme o anjo do mal, em sonhos, dorme,
e a luz da lâmpada, disforme, atira ao chão a sua sombra.
Nela, que ondula sobre a alfombra, está minha alma;
e, presa à sombra, não há de erguer-se, ai! nunca mais!
e, presa à sombra, não há de erguer-se, ai! nunca mais!
- Tradução: Milton Amado (1943).
quinta-feira, 16 de agosto de 2007
Madalena
Os gnósticos cristãos a tornaram um ícone, superior em importância e saber aos discípulos masculinos do Salvador. No Evangelho que leva seu nome, é ela quem os exorta a "ir à luta", para difundir a mensagem que o Mestre lhes havia deixado. E é somente a ela que o Salvador revela, em uma visão, sua doutrina esotérica.
No "Pithys Sophia", Madalena representa a centelha anímica que existe em cada ser humano, a parte da Sophia que ficou em nós, e que é a única capaz de se comunicar com os planos espirituais, para receber a verdadeira Gnoselibertadora.
E quando as descobertas de Nag Hammadi vêm à luz, é de uma obra gnóstica que emerge um termo polêmico, capaz de incendiar a imaginação dos homens do século XX: Maria Madalena é chamada de "companheira" (esposa ?) de Jesus, no "Evangelho de Felipe".
Afinal, quem foi Maria Madalena?
Discípula, companheira, esposa?
Os Evangelhos Canônicos não a designam por nenhum desses termos, mas lhe conferem uma posição de destaque entre as mulheres que seguiam Jesus e o "serviam" (em grego "diakonein", que significa "servir", de onde provém o termo "diácono").
Muitos dos que escreveram sobre ela, não esquecem de mencionar que Madalena está presente nos episódios mais importantes da história de Jesus, inclusive no da sua ressurreição.
DIA E NOITE
A mulheres que seguiam e serviam Jesus, acompanhavam o Mestre e seus discípulos em todos os momentos e em todos os lugares?
Estavam com eles durante os dias e durante as noites?
Dormiam onde eles dormiam, mesmo quando "acampavam" ao ar livre, nos dias em que o "Filho do Homem" não tinha nem onde "repousar a cabeça"?
Se Madalena é a esposa de Jesus é óbvio que está com ele dia e noite.
Deita-se onde ele se deita. Deita-se com ele. Dorme com ele.
Está com ele em todos os momentos, sobretudo o mais difícil, quando seu corpo é brutalmente afixado a uma cruz romana.
JERUSALÉM
É noite em Jerusalém.
A velha cidade regurgita de povo. É tempo de Pessach.
Muitos vieram de longe. São judeus da "diáspora", que do hebraico guardam apenas algumas palavras rituais. A maioria deles comunica-se em grego.
Tiveram que trocar moedas estrangeiras que trouxeram, por outras sem efígies, para poderem depositar seus óbulos no Templo construído por Herodes, o odiado idumeu.
Alguns hão de ter testemunhado o momento em que um punhado de galileus agrediu cambistas do templo, derrubando mesas, espalhando moedas pelo chão.
Um fato lamentável. Mas enfim, que se pode esperar de galileus, essa gente rude, arruaceira, que vive em uma região cheia de gentios, e onde reina o tetrarca Antipas?
Os agressores foram rápidos. Evadiram-se antes que os guardas do templo chegassem para prendê-los.
Mas devem estavam sendo procurados.
NOITE DE AFLIÇÃO
Os "galileus" estão no jardim de Getsêmani, no monte das Oliveiras, perto de Jerusalém.
Jesus está aflito. Sua alma está "cheia de tristeza, até a morte".
Talvez pressinta o que está para acontecer, talvez o saiba.
Pede aos que estão com ele que vigiem, enquanto se afasta para orar ao Pai.
Madalena está entre eles?
As outras mulheres que seguem Jesus também estão?
Os Canônicos nada dizem.
Se Madalena é discípula, é provável que esteja. Se é esposa, certamente há de estar.
Jesus retorna e encontra os discípulos dormindo, enrolados em seus mantos.
Madalena também dormiu, apesar de ter percebido a aflição do Mestre (esposo) ?
Quando chegam os guardam que vêm prender Jesus, qual é a reação de Madalena? Grita, chora, sai em defesa do Mestre (Esposo)? Ou, como os demais, deixa-se paralisar pelo medo?
Nem todos adotam uma posição passiva. Há um que reage (talvez Pedro): desembainha uma espada e investe contra o guarda que pretende manietar Jesus.
Espada? Os discipulos de Jesus andam armados?
Num gesto instintivo, o guarda desvia a cabeça, mas a espada o atinge na orelha, decepando-a.
Se não tivesse se desviado, provavelmente sua cabeça teria sido fendida, e ele estaria morto.
Qual a reação dos guardas diante da atitude de Pedro?
O normal seria que, vendo o companheiro atingido, sangrando, se lançassem contra todo o grupo, acutilando-o indiscriminadamente.
Seria um massacre.
Poupariam Jesus, por terem ordens de levá-lo vivo, mas chacinariam seus seguidores e não haveriam de ser repreendidos por aqueles que os encarregaram da missão.
Mas, espantosamente, os guardam nada fazem. Nem tentam prender o homem que atacou seu colega.
É Jesus quem repreende Pedro, ordenando-lhe que embainhe a espada (não que se desfaça dela).
Então, instala-se a debandada. Os companheiros de Jesus tratam de por-se a salvo, fugindo do local. Há um até que foge completamente nu.
Mas há dois deles que, a uma distância cautelosa, acompanham o cortejo de Jesus conduzido pelos guardas. É Pedro e um "outro discípulo".
Quem é esse outro? Será Madalena ou ela também fugiu junto com os demais?
GÓLGOTA
Aos pés da cruz, algumas das mulheres que seguiam Jesus, testemunham seus derradeiros momentos. Entre elas está Madalena.
A mãe do crucificado também está presente, em companhia de um discípulo.
Pouco antes de expirar, Jesus dirige-se à mãe e confia-a aos cuidados do discípulo.
A Madalena (esposa?), nenhuma palavra de adeus.
No "Pithys Sophia", Madalena representa a centelha anímica que existe em cada ser humano, a parte da Sophia que ficou em nós, e que é a única capaz de se comunicar com os planos espirituais, para receber a verdadeira Gnoselibertadora.
E quando as descobertas de Nag Hammadi vêm à luz, é de uma obra gnóstica que emerge um termo polêmico, capaz de incendiar a imaginação dos homens do século XX: Maria Madalena é chamada de "companheira" (esposa ?) de Jesus, no "Evangelho de Felipe".
Afinal, quem foi Maria Madalena?
Discípula, companheira, esposa?
Os Evangelhos Canônicos não a designam por nenhum desses termos, mas lhe conferem uma posição de destaque entre as mulheres que seguiam Jesus e o "serviam" (em grego "diakonein", que significa "servir", de onde provém o termo "diácono").
Muitos dos que escreveram sobre ela, não esquecem de mencionar que Madalena está presente nos episódios mais importantes da história de Jesus, inclusive no da sua ressurreição.
DIA E NOITE
A mulheres que seguiam e serviam Jesus, acompanhavam o Mestre e seus discípulos em todos os momentos e em todos os lugares?
Estavam com eles durante os dias e durante as noites?
Dormiam onde eles dormiam, mesmo quando "acampavam" ao ar livre, nos dias em que o "Filho do Homem" não tinha nem onde "repousar a cabeça"?
Se Madalena é a esposa de Jesus é óbvio que está com ele dia e noite.
Deita-se onde ele se deita. Deita-se com ele. Dorme com ele.
Está com ele em todos os momentos, sobretudo o mais difícil, quando seu corpo é brutalmente afixado a uma cruz romana.
JERUSALÉM
É noite em Jerusalém.
A velha cidade regurgita de povo. É tempo de Pessach.
Muitos vieram de longe. São judeus da "diáspora", que do hebraico guardam apenas algumas palavras rituais. A maioria deles comunica-se em grego.
Tiveram que trocar moedas estrangeiras que trouxeram, por outras sem efígies, para poderem depositar seus óbulos no Templo construído por Herodes, o odiado idumeu.
Alguns hão de ter testemunhado o momento em que um punhado de galileus agrediu cambistas do templo, derrubando mesas, espalhando moedas pelo chão.
Um fato lamentável. Mas enfim, que se pode esperar de galileus, essa gente rude, arruaceira, que vive em uma região cheia de gentios, e onde reina o tetrarca Antipas?
Os agressores foram rápidos. Evadiram-se antes que os guardas do templo chegassem para prendê-los.
Mas devem estavam sendo procurados.
NOITE DE AFLIÇÃO
Os "galileus" estão no jardim de Getsêmani, no monte das Oliveiras, perto de Jerusalém.
Jesus está aflito. Sua alma está "cheia de tristeza, até a morte".
Talvez pressinta o que está para acontecer, talvez o saiba.
Pede aos que estão com ele que vigiem, enquanto se afasta para orar ao Pai.
Madalena está entre eles?
As outras mulheres que seguem Jesus também estão?
Os Canônicos nada dizem.
Se Madalena é discípula, é provável que esteja. Se é esposa, certamente há de estar.
Jesus retorna e encontra os discípulos dormindo, enrolados em seus mantos.
Madalena também dormiu, apesar de ter percebido a aflição do Mestre (esposo) ?
Quando chegam os guardam que vêm prender Jesus, qual é a reação de Madalena? Grita, chora, sai em defesa do Mestre (Esposo)? Ou, como os demais, deixa-se paralisar pelo medo?
Nem todos adotam uma posição passiva. Há um que reage (talvez Pedro): desembainha uma espada e investe contra o guarda que pretende manietar Jesus.
Espada? Os discipulos de Jesus andam armados?
Num gesto instintivo, o guarda desvia a cabeça, mas a espada o atinge na orelha, decepando-a.
Se não tivesse se desviado, provavelmente sua cabeça teria sido fendida, e ele estaria morto.
Qual a reação dos guardas diante da atitude de Pedro?
O normal seria que, vendo o companheiro atingido, sangrando, se lançassem contra todo o grupo, acutilando-o indiscriminadamente.
Seria um massacre.
Poupariam Jesus, por terem ordens de levá-lo vivo, mas chacinariam seus seguidores e não haveriam de ser repreendidos por aqueles que os encarregaram da missão.
Mas, espantosamente, os guardam nada fazem. Nem tentam prender o homem que atacou seu colega.
É Jesus quem repreende Pedro, ordenando-lhe que embainhe a espada (não que se desfaça dela).
Então, instala-se a debandada. Os companheiros de Jesus tratam de por-se a salvo, fugindo do local. Há um até que foge completamente nu.
Mas há dois deles que, a uma distância cautelosa, acompanham o cortejo de Jesus conduzido pelos guardas. É Pedro e um "outro discípulo".
Quem é esse outro? Será Madalena ou ela também fugiu junto com os demais?
GÓLGOTA
Aos pés da cruz, algumas das mulheres que seguiam Jesus, testemunham seus derradeiros momentos. Entre elas está Madalena.
A mãe do crucificado também está presente, em companhia de um discípulo.
Pouco antes de expirar, Jesus dirige-se à mãe e confia-a aos cuidados do discípulo.
A Madalena (esposa?), nenhuma palavra de adeus.
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